Por Julia Monteath de França
“One heartbeat away from the presidency,
not a single vote cast on my name....
Democracy is so overrated.”
Frank. J. Underwood
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Regras de um “mundo livre”, que de livre tem tão pouco.
Foto: RoarMagazine.it
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Isso tudo apenas para mostrar que, se tem alguma coisa que, de acordo com seu currículo, Dobbs conhece bem, são as engrenagens do poder político do tão enaltecido “mundo livre” [1] – e o conhece a partir do topo. Mas Dobbs também tem outra face profissional, ainda que mais recente, não menos notável: a de escritor. Ele começou a escrever em 1989, quando lançou o primeiro livro de uma trilogia [2], intitulado House of Cards. A trilogia, que se completa com os volumes subsequentes, To Play the King (1992) e The Final Cut (1994), foi televisionada pela BBC no formato de minisséries e o primeiro de seus livros, assim como a minissérie, inspiraram a atual serie, lançada pelo Netflix, já com duas temporadas no ar.
Basicamente a série americana conta a história de um astuto, experiente e ambicioso congressista norte-americano, do Partido Democrata, representante do estado de Carolina do Sul, Frank J. Underwood – aliás, a citação em epígrafe é de uma fala de seu personagem no segundo episódio da segunda temporada. O deputado, Frank (excepcionalmente interpretado por Kevin Spacey), não faz muitas restrições no que diz respeito aos meios necessários para conseguir chegar onde quer. Também despido de qualquer preocupação ou apego com o outro, exceto, talvez, sua esposa e parceira, Claire (interpretação igualmente notável de Robin Wright), com quem compartilha planos e ambições. Os dois personagens, a despeito dos poucos e discretos gestos de carinho um com o outro, têm uma sintonia fina no que se refere à estratégia de ação para alcançar suas ambições.
A trama tem início quando, ao ajudar a eleger um novo presidente dos Estados Unidos, o deputado descobre que não ocupará o desejado cargo de Secretário de Estado dessa nova gestão - posto prometido ainda nos tempos de campanha do recém-eleito presidente. Frank e sua companheira, então, resolvem dar o troco aos responsáveis por tal decepção. Assim, dão início a um longo e complexo plano de vingança. Desde a primeira cena, Frank deixa claro que ruas relações são guiadas única e exclusivamente por seus interesses pessoais e profissionais.
Com tal promessa descumprida logo nos primeiros dias de mandato, Frank resolve se vingar daqueles que considera que o traíram. É neste enredo que se constrói a trama, instigante e, ao mesmo tempo, rica em detalhes do cotidiano da política formal no maior dos países do “mundo livre”, bem como sua conturbada relação quase que de protocooperação entre a política e os meios de comunicação.
Além de tocar em questões importantes, e muitas vezes polêmicos, de assuntos domésticos de um país - como educação, saúde, infraestrutura e, mais especificamente, aborto, drogas e prostituição, dentre outros – a série traz uma perspectiva deveras interessante sobre a política internacional, a partir de uma perspectiva de dentro do governo daquele país até hoje considerado como a maior potência mundial.
Em particular, a série dá bastante ênfase, principalmente em sua segunda temporada, à relações dos Estados Unidos com a China. Interessante ver o destaque dado às relações econômicas com Pequim/Beijim, quase que em subordinação às relações políticas – que quase se restringem à diplomacia e ao asilo político de um grande empresário chinês. A série consegue ilustrar bem como essas duas esferas – a política e a economia – são, no fundo, faces de uma mesma moeda, o capitalismo contemporâneo.
Nesse sentido, o poder político é alimentado pelo poder econômico e vice-versa. Ao apresentar os “bastidores” da maior potência mundial, a série consegue mostrar toda a promiscuidade dessa relação. Ilustra muito bem também como muitas vezes, para não dizer todas, as coisas do mundo político como nos são apresentadas – a nós, cidadãos comuns – não são o que parecem ser. Como nessa teia de relações, apenas a ponta do iceberg está explícita – até mesmo para os próprios políticos, partes das engrenagens desses poderes – e todo o resto fica submerso, implícito, conformando um complexo jogo de interesses e poder em que as cartas são estrategicamente colocadas à mesa.
É claro que a trama de House of Cards é uma historia ficcional e, como tal, pinta muitos aspectos com cores mais fortes que outros. Mas o próprio Dobbs tem em sua biografia uma amostra dessa relação, tendo ocupado altos cagos em importantes empresas em especial do ramo das comunicações e publicidade.
E essas são as regras do tão idolatrado “mundo livre”, que de livre tem tão pouco.
E a arte segue imitando a vida.
[1] “Free world” em inglês, uma expressão muito usada na série americana.
[2] A trilogia recebeu 14 indicações ao British Academy of Film and Television Arts, dos quais ganou dois, tendo sido também eleito como o 84º Best British Show in History.
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Na história, Frank tem um apreço especial por uma costela de dar água na boca de ver seu prazer em destruí-la. O prato é preparado por Freddie, um negro de subúrbio com uma cantina pouco frequentada. Só porque eu descobri recentemente e resolvi compartilhar a receita.
Ótimo post! Esperamos essa receita deliciosa para o próximo encontro!!!! kkkkkkkkkkkkkkkkk
ResponderExcluirRsrsrsrs aí você captou minha mensagem!!!!! ;-)
ResponderExcluirObrigada, querido!!!!