Por Suellen Lannes
Ao se pensar em uma retrospectiva refletimos não somente no
passado, mas também no futuro. Ao selecionar os fatos mais importantes levamos
em consideração aqueles que, de alguma forma, terão importância para a história
vindoura. Fazer esse exercício de vidência pode ser considerado um simples
achismo ou genialidade, caso a previsão se confirme. Contudo, o objetivo desse
texto não é esse, é simplesmente um treinamento de memória, procurando
relembrar o que aconteceu, apresentando, em linhas gerais o contexto dos fatos
apresentados. Se eles terão relevância futura, não está sob a minha alçada.
Procurando uma objetividade, separei três eventos que
tiveram grande destaque nas mídias internacionais e de, alguma forma, tiveram
impacto na dinâmica internacional: (1) a epidemia do ebola; (2) a escalada do
conflito na Ucrânia e (2) o aumento do poder do Estado Islâmico.
Desde meados da década de 1990, no continente africano
vinha se presenciando alguns surtos de ebola, que matavam entre 200 a 500
pessoas. A doença parecia que estava restrita, geograficamente falando, e
parecia sobre controle no número de infectados. O surto que começaria no final
de 2013 seria diferente do que foi visto até então. Em março de 2014, a
Organização Mundial da Saúde (OMS) emitiu um comunicado informando que havia um
surto de ebola em Guiné, com casos suspeitos na Libéria e em Serra Leoa.
Futuramente, esse surto vai se confirmar na Libéria, Senegal, Serra Leoa e
chegará aos Estados Unidos, onde ocorrerá o primeiro caso de transmissão fora
do continente africano.
O avanço crescente da doença fez com que, em agosto, a OMS
declarasse a epidemia como uma emergência de saúde pública internacional. Além
desse aviso, a organização Médico Sem Fronteiras denunciou que o sistema de
saúde dos países com epidemia estava em colapso e não teria condições de
combater a epidemia. No final do mês, a doença chegou a Nigéria.
No mês seguinte, os países decretam o fechamento das
fronteiras, cancelamentos dos voos e evacuação dos trabalhadores estrangeiros.
Esses atos acabaram com o comércio transfronteiriço e levou ao colapso as
estruturas, já precárias, desses países. Essa situação pode gerar uma
mortandade indireta maior do que o ebola vem ocasionando. Oficialmente, até 29
de dezembro, a doença já havia infectado cerca de 20 mil pessoas e levado a
óbito cerca de 7 mil.
No que tange às relações internacionais, a epidemia do ebola evidencia a amplitude dos temas abordados por essa disciplina e coloca em “xeque” as teorias que separam o cenário externo do interno, evidenciando que as questões político-sociais, relegadas a segundo plano, como o sistema de saúde dos países subdesenvolvidos, podem ter um profundo impacto na dinâmica tradicional das relações internacionais. Esse cenário demonstra o quão complexo são as relações internacionais e a responsabilidade desse pesquisador.
Para maiores informações sobre o ebola
vide o texto de Larissa Rosevics, Capitalismo e o Ebola.
No que tange ao conflito ucraniano, o ano de 2014 foi
marcado por uma série de reviravoltas e trouxe o fantasma da disputa de poder
entre os Estados Unidos e a União Soviética durante a Guerra Fria. Em linhas
gerais, pode-se dizer que o conflito envolve questões geopolíticas e econômicas
que perpassam séculos. Esse conflito envolve temáticas energéticas,
alimentares, disputas por hegemonia e demandas de fronteiras indefinidas. Sendo
assim, o estopim inicial aconteceu quando uma série de protestos varreram a
Ucrânia em resposta a recusa do governo em assinar um acordo de associação com
a União Europeia.
Os manifestantes se concentravam na Praça da Independência,
ou Maidan, apresentando um modus
operandi parecido com as
manifestações da “Primavera” Árabe. Durante o mês de janeiro a violência
aumentou quando o governo passa a seguir as leis antiprotestos, conhecidas como
Bondarenko-Oliynyk. O resultado do acirramento dessas tensões foi a destituição
de Viktor Yanukovych do cargo de presidente, pelo Parlamento, e a definição de
novas eleições em maio para a eleição de seu substituto.
No mês seguinte, em fevereiro, foi escolhido um novo
primeiro-ministro, Arseni Yatseniuk, responsável por governar o país até as
novas eleições presidenciais. Em março, o governo russo propõe a realização de
uma consulta popular na região da Crimeia, onde a maioria dos cidadãos são de
ascendência russa, para decidir se eles gostariam de ser anexados à Rússia. O
pleito foi condenado pela comunidade internacional e resultou na consolidação
do poder russo, com a adesão de cerca de 90% da população. No
mês seguinte, o presidente russo, Vladimir Putin, assinou a declaração anexando
o território.
Exilado, o presidente ucraniano deposto pede a Rússia uma
intervenção militar, em resposta, o governo russo envia tropas militares a
Ucrânia e anexa o território da Crimeia. Após essa anexação, membros da União
Europeia, em especial a Alemanha, e a OTAN (Organização do Tratado do Atlântico
Norte) criticaram a ação de Moscou e afirmam que se as ações militares
continuassem novas sanções seriam impostas. Do outro lado, em Kiev, em maio, a
coalização pró-União Europeia ganhou a eleição à presidência, com o candidato
Petro Poroshenko. O resultado dessa eleição foi o acirramento do conflito com a
Rússia e a aproximação com a União Europeia, nos meses seguintes, por meio da oficialização
de acordos.
Um efeito colateral do conflito foi a queda do avião da
Malaysia Airlines, em julho, abatido por um míssil. Os Estados Unidos e a União
Europeia culparam a Rússia, por causa do apoio dela aos separatistas, os quais
já tinham abatido uma série de caças militares ucranianos e aumentaram as
sanções contra o país. Por outro lado, a Rússia culpou as forças ucranianas.
Em represália as sanções, a Rússia rompe o suprimento de gás para a
Europa. Essa “guerra do gás” acaba com a formalização de um acordo, em outubro,
entre a Rússia, a Ucrânia e a União Europeia, que restabelece o fornecimento de
gás. O final do ano foi marcado por tentativas de tréguas, ao mesmo tempo em
que a Ucrânia planeja a construção de um muro na fronteira com a Rússia,
denominado “Muralha Europeia”.
Para maiores informações sobre a
escalada no conflito na Ucrânia vide o texto A geopolítica e as insistências da história de Hélio Farias.
O terceiro evento que irei tratar diz respeito ao
surgimento do Estado Islâmico e o acirramento da guerra civil na Síria. As
origens desse movimento rementem a 2006, quando eles faziam parte da Al Qaeda.
Com a saída das forças militares estadunidenses do Iraque, um vácuo de poder se
criou e o grupo cresceu. Concomitante, o grupo começou a sua ação na Síria, a
qual passa por um contexto de guerra civil.
Os holofotes da mídia internacional passam a focar nesse
grupo quando, em junho deste ano, as suas tropas tomam a segunda cidade mais
importante do Iraque, Mossul. Com essa importante vitória, as tropas rumam para
Bagdá, visando a criação de um novo “califado”. Apesar do fracasso na tomada de
Bagdá, eles formalizam o califado por meio da conquista de Diyala, no Iraque e
Aleppo, na Síria. Seu líder, Abu Bakr al Baghdadi foi proclamado “califa de
todos os muçulmanos”. Inseridos nos tempos atuais, o grupo usa as mídias
sociais em seu favor, panfletando e exibindo as suas ações. Em pouco tempo, o
grupo conquistou posições estratégicas como usinas, campos de petróleo e
barragens.
O avanço do Estado Islâmico levou a deposição, em agosto,
do premiê iraquiano, Nouri al Maliki. Ele foi substituído por Haidar Abadi. A
agressividade do grupo contra as minorias fez a ONU emitir um alerta para o
risco de um genocídio no país. Além disso, o grupo começou a direcionar as suas
ações para atos simbólicos, como a decapitação dos jornalistas estadunidenses
James Foley e Steven Sotloff, no final de agosto e início de setembro. Com a
argumentação de evitar isso e visando retomar as posições perdidas, os Estados
Unidos se envolvem militarmente no conflito em uma coalizão com cerca de 50
países.
Os ataques começaram em setembro e em novembro a cidade de Darnah, na Líbia entrou para o Estado Islâmico, a primeira fora do Iraque e da Síria. Em dezembro, os Estados Unidos enviam mais soldados para deter o avanço do Estado Islâmico e no dia 29 a Suprema Corte da Rússia reconhece o Estado Islâmico e o Jabhat al-Nusra como organizações terroristas. A partir desse momento, fica proibido em território russo qualquer atividade desse grupo. O Estado Islâmico também é reconhecido como uma organização terrorista pelas Nações Unidas, pela União Europeia e por uma série de outros países, incluindo Estados Unidos, Austrália, Arábia Saudita e Egito.
Para maiores informações sobre a
formação do Estado Islâmico vide o texto A ascensão do ISIS e o jogo geopolítico global, de Ricardo Zortéa Vieira.
Por fim, vale ressaltar que o ano de 2014
marca o surgimento do blog Diálogos Internacionais!!!!
Feliz 2015!!
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