Por Julia Monteath de França

Apesar da trajetória mainstream, por assim dizer, Moyo defende em seu livro Dead Aid - Why Aid is Not Working and How There is a Better Way For Africa uma tese pouco ortodoxa [1]. Em poucas palavras ela afirma que a ajuda internacional enviada à África nos últimos sessenta anos, pelo menos, não apenas não solucionou os problemas do continente, como, na realidade, é parte significativa das causas desses problemas.
O livro está dividido em duas partes, a apresentação aqui no blog, seguirá a mesma divisão.
Parte I:
Segundo Moyo, existe uma cultura de obrigação moral assumida pelos países do ocidente para ajudar a África, intensificada com o fim do período colonial. Ela esclarece que diferencia três tipos de ajuda internacional: (i) ajuda humanitária ou emergencial – conhecido por todos, comumente se tratam de respostas a catástrofes humanas e ambientais; (ii) ajuda baseada na caridade – aquela em que pessoas e/ou organizações encaminham montantes, normalmente voltados para uma causa específica (por exemplo, levar meninas a escolas ou enviar uma quantidade determinada de medicamento a áreas com alta incidência de certas doenças) [2]; e (iii) ajuda internacional entre governos – configuram transferências internacionais entre governos, seja a partir de uma configuração bilateral ou multilateral, diretamente ou através de instituições financeiras. A ajuda foco de sua análise é a terceira [3], que movimenta a maior parte de todo o montante direcionado à África: nos últimos sessenta anos, a África recebeu mais de 1 trilhão de dólares desse tipo de ajuda e, segundo ela, nada melhorou. De fato, argumenta ela, ao se debruçar sobre determinados aspectos econômicos, até piorou [4].
Para explicar os diversos motivos pelos quais a ajuda internacional fracassou em cumprir suas promessas originais, ela retoma a própria origem desse modelo, em meados do século XX, quando alguns economistas preocupados com o processo de crescimento identificaram a seguinte relação causal (bastante simplificada): a poupança atrairia o investimento que, por sua vez, impulsionaria o crescimento.
Neste momento, muitos países subdesenvolvidos de maneira geral e os países africanos de maneira especial se encontravam em fase inicial do processo de desenvolvimento, muitos dos quais ainda dando os primeiros passos para se desfazer de seus laos coloniais. O argumento dos economistas para estes países era de que eles, por ainda serem muito pobres, não tinham a poupança necessária para atrair o investimento que os levaria ao crescimento econômico. Logo, encontraram na ajuda internacional uma ferramenta para substituir fazer o papel dessa poupança. Assim, a sequência lógica para esses países passaria a ser: ajuda internacional, investimento, crescimento. E, não apenas, este crescimento traria, enfim, a redução da pobreza.
Moyo segue apresentando como nas décadas subsequentes, a obrigação moral continuou e, mesmo que a ajuda ganhasse outras roupagens e justificativas teóricas por não apresentar os resultados esperados, a prática da transferência de dinheiro para os países africanos se manteve, assim como se mantém até os dias de hoje.
Acontece que, como se sabe, a alavanca do crescimento e do desenvolvimento não chegou ao continente até hoje, com a exceção de alguns países pontuais e de certos momentos de otimismo. Até hoje, os indicadores econômicos e sociais do continente são alarmantes. Ainda mais preocupante é a dificuldade que os países têm de achar uma estratégia de desenvolvimento, que não seja dependente da ajuda internacional.
Ela argumenta que esse modelo levou a uma dependência da ajuda internacional por parte dos países africano, muito pela posição confortável dos governos, recebendo dinheiro sem ter que apresentar nada em contrapartida e sem nenhuma obrigação de transparência em relação à utilização desses recursos. Esse ambiente favoreceu as práticas de corrupção e passou a funcionar como um ciclo vicioso retroalimentado.
Em poucas palavras, o argumento de Moyo é que os governos africanos ficaram mal acostumados, por assim dizer, com esse fluxo permanente de entrada de divisas, e se esforçaram pouco para buscar alternativas que os tornassem independentes dessa renda e, mais ainda, que engatasse o início do processo de crescimento e desenvolvimento. É a velha história da diferença entre dar o peixe...
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Notas:
[1] Tese esta que, por exemplo, Bill Gates discorda.
[2] Sobre esta categoria de ajuda ela chama atenção que pode ajudar a resolver uma questão pontual, mas não ajuda o país a se desenvolver.
[3] Para facilitar, será tratada aqui como ajuda internacional.
[4] Por exemplo, o número de pessoas vivendo abaixo da linha de pobreza aumentou. Fonte: Banco Mundial.
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